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Ementa: RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. CLÁUSULAS ABUSIVAS. COMPARTILHAMENTO DE DADOS PESSOAIS. NECESSIDADE DE OPÇÃO POR SUA NEGATIVA. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E CONFIANÇA. ABRANGÊNCIA DA SENTENÇA. ASTREINTES. RAZOABILIDADE.

1. É facultado ao Juízo proferir sua decisão, desde que não haja necessidade de produzir provas em audiência, assim como, nos termos do que preceitua o princípio da livre persuasão racional, avaliar as provas requeridas e rejeitar aquelas que protelariam o andamento do processo, em desrespeito ao princípio da celeridade.

2. A Anadec – Associação Nacional de Defesa do Consumidor, da Vida e dos Direitos Civis tem legitimidade para, em ação civil pública, pleitear o reconhecimento de abusividade de cláusulas insertas em contrato de cartão de crédito. Precedentes.

3. É abusiva e ilegal cláusula prevista em contrato de prestação de serviços de cartão de crédito, que autoriza o banco contratante a compartilhar dados dos consumidores com outras entidades financeiras, assim como com entidades mantenedoras de cadastros positivos e negativos de consumidores, sem que seja dada opção de discordar daquele compartilhamento.

4. A cláusula posta em contrato de serviço de cartão de crédito que impõe a anuência com o compartilhamento de dados pessoais do consumidor é abusiva por deixar de atender a dois princípios importantes da relação de consumo: transparência e confiança.

5. A impossibilidade de contratação do serviço de cartão de crédito, sem a opção de negar o compartilhamento dos dados do consumidor, revela exposição que o torna indiscutivelmente vulnerável, de maneira impossível de ser mensurada e projetada.

6. De fato, a partir da exposição de seus dados financeiros abre-se possibilidade para intromissões diversas na vida do consumidor. Conhecem-se seus hábitos, monitoram-se a maneira de viver e a forma de efetuar despesas. Por isso, a imprescindibilidade da autorização real e espontânea quanto à exposição.

7. Considera-se abusiva a cláusula em destaque também porque a obrigação que ela anuncia se mostra prescindível à execução do serviço contratado, qual seja obtenção de crédito por meio de cartão.

8. Não se estende a abusividade, por óbvio, à inscrição do nome e CPF de eventuais devedores em cadastros negativos de consumidores (SPC, SERASA, dentre outros), por inadimplência, uma vez que dita providência encontra amparo em lei (Lei n. 8.078/1990, arts. 43 e 44).

9. A orientação fixada pela jurisprudência da Corte Especial do STJ, em recurso repetitivo, no que se refere à abrangência da sentença prolatada em ação civil pública, é que “os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)” (REsp 1.243.887/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, DJe de 12/12/2011).

10. É pacífico o entendimento no sentido de que a revisão da multa fixada, para o caso de descumprimento de ordem judicial, só será possível, nesta instância excepcional, quando se mostrar irrisória ou exorbitante, o que, a meu ver, se verifica na hipótese, haja vista tratar-se de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais).

11. Recurso especial parcialmente provido.

Processo: Recurso Especial n. 1.348.532 – SP

Tribunal: Superior Tribunal de Justiça

Relator: Ministro Luis Felipe Salomão

Turma, câmara ou vara: 4a. turma

Data do julgamento: 10/10/2017


Comentário do especialista Luis Prado

Na parte que se refere à abusividade da cláusula por meio da qual, em contrato de adesão, o consumidor “concorda” com o compartilhamento de seus dados pessoais a parceiros e demais empresas do grupo econômico da prestadora de serviço, a decisão do STJ seguiu parecer do Ministério Público juntado aos autos pouco antes do julgamento.

Veja-se a seguir o inteiro teor da cláusula controvertida, que foi considerada abusiva pelo STJ:

“O TITULAR DESDE JÁ AUTORIZA QUE AS INSTITUIÇÕES DO HSBC, NO PAÍS OU NO EXTERIOR, TENHAM ACESSO A TODOS OS SEUS DADOS CADASTRAIS E OBTENHAM INFORMAÇÕES PESSOAIS PERTINENTES A TRANSAÇÕES REALIZADAS EM QUALQUER DELAS, COM A FINALIDADE DE AGILIZAR E FACILITAR AS OPERAÇÕES ATIVAS, PASSIVAS E DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, NOS MERCADOS FINANCEIRO, DE CAPITAIS, DE CÂMBIO, DE SEGUROS E DE CONSUMO E BEM ASSIM, EFETUEM TROCA DE INFORMAÇÕES A SEU RESPEITO COM SISTEMAS POSITIVOS E NEGATIVOS DE CRÉDITO EXTERNOS, JUNTO A ENTIDADES QUE PROCEDAM REGISTROS DE INFORMAÇÕES/RESTRIÇÕES DE CRÉDITO”

Em um contexto onde a regulamentação sobre o tema da proteção de dados a nível federal ainda é escassa, insegura e insuficiente, o presente julgamento serve como importante parâmetro para o setor privado.

Destacamos, abaixo, 10 fundamentos que embasaram o voto do relator da decisão:

1. Não há opção ao consumidor (mas sim imposição) com relação ao compartilhamento de seus dados.

2. Esse tipo de cláusula põe o consumidor em excessiva desvantagem em relação ao fornecedor (artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor).

3. O fato de se tratar de um contrato de adesão agrava a fragilidade do consumidor na relação com o fornecedor.

4. Cláusula viola os princípios da confiança e da transparência.

5. Compartilhamento de dados culmina em vulnerabilidade do consumidor impossível de ser mensurada.

6. Cláusula é prescindível à execução do serviço contratado (cartão de crédito).

7. Foi citada a Portaria a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça n. 5, de 28/8/2002, que amplia o leque de cláusulas abusivas constante no art. 51 do Código do
Consumidor.

8. “Não é dado ao cliente do banco recorrente a alternativa da contratação sem a aquiescência com o repasse de seus dados pessoais”.

9. Foram suscitados os artigos 1o, §3o da Lei Complementar 105/2001 (Lei do Sigilo Bancário) e 9o e 17 da Lei n. 12.414, de 9 de junho de 2011 (Lei do Cadastro Positivo).

10. A GDPR (novo Regulamento Europeu de Proteção de Dados que entrará em vigor em maio/2018), a atual Diretiva 95/46/CE e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (bem como normas estadunidenses e japonesas) foram utilizadas como fundamento de direito comparado para justificar a decisão.

 

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