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*Diogo Silva Marzzoco

A saúde suplementar enfrenta grande desafio em razão da alta sinistralidade que até setembro de 2019 já atingia o patamar de 83,5% , muito incentivada em razão da prevalência de doenças crônicas e da mudança do paradigma etário da população brasileira, o que acaba por obrigar o setor a realizar grande esforço financeiro para equalizar este desafio.

Em razão disto, a área da saúde, sobretudo a saúde suplementar, passa há algum tempo por uma transformação de postura em relação à gestão da saúde, ao centralizar a atenção no paciente e não somente em sua doença, tratando-o de maneira preventiva, de modo a evitar futuros sinistros. Para tanto, o monitoramento do paciente acabou por ser ferramenta primordial para a prevenção de doenças e por conseguinte, diminuição de sinistralidade e custo de operação.

Neste contexto a tecnologia é utilizada, por exemplo, dispositivos que captam dados sobre hábitos de vida e batimentos cardíacos, health techs que trabalham diariamente na prevenção, diagnósticos e tratamentos mais efetivos, bem como a própria telemedicina.

É de se notar que o gerenciamento de doentes crônicos, seja por meio tecnológico ou não, implica em profunda análise de dados pessoais, bem como, muitas vezes, no seu compartilhamento com outras empresas que articulam a gestão da sinistralidade.

Assim, pela análise de dados pessoais, por meio dos quais é possível inferir os pacientes que são mais utilizadores, os fatores que desencadeiam a hiper utilização, é possível a criação de plano de ação, com o intuito de prevenir doenças ou do agravamento destas e que, consequentemente, a utilização do sistema de saúde seja reduzida.

Importante dizer que, em termos regulatórios, a área da saúde jamais ignorou a importância dos dados pessoais, bem como a necessidade de protegê-los, voltando ao paciente toda a atenção no cuidado da saúde, o que inclui o cuidado de suas informações.

Não obstante as regulações setoriais existentes, em agosto de 2020 entrará em vigor a Lei nº 13.709/2018, chamada de Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”). Trata-se de Lei Federal que regula a utilização de dados pessoais, inclusive os de saúde.

Neste sentido, é preciso notar que a LGPD traz regras claras sobre tratamento de dados pessoais e mais restritivas se o dado for considerado sensível, como é o caso do dado de saúde, a exemplo das informações que constam no prontuário médico.

Muito embora o artigo 11 §4º da LGPD preveja algumas vedações para o compartilhamento de dados de saúde, por outro lado, permite tal compartilhamento para prestação de serviço de saúde, cuja expressão, embora não tenha conceito na LGPD, é definida pela ANVISA como “estabelecimentos destinados a promover a saúde do indivíduo, protegê-lo de doenças e agravos, prevenir e limitar os danos a ele causados e reabilitá-lo quando sua capacidade física, psíquica ou social for afetada.”

Considerando que a ANS por meio da Resolução nº 264/2002 faculta às Operadoras de Planos de Saúde a criação de programas de promoção à saúde, prevenção de riscos e doenças, é possível concluir que essas operadoras, não são meras comerciantes de planos de saúde, mas também, promotoras da saúde e bem estar dos seus beneficiários.

Assim, em vista das razões expostas acima, conclui-se que o artigo 11 §4º da LGPD permite o compartilhamento de dados pessoais de saúde de beneficiários para a gestão de sinistralidade e promoção da saúde, sem olvidar que a Súmula nº 27 da ANS, assim como o artigo 11 §5º da LGPD proíbem a seleção de risco, ou seja, excluir ou deixar de contratar com qualquer interessado em razão de alto risco de sinistralidade.

Superado tal ponto, é preciso ainda que se faça uma harmonização entre a regulação setorial e a LGPD. Isto porquê, a regulação setorial adota amplamente o consentimento como autorização adequada para compartilhamento de dados de saúde, sobretudo constantes em prontuário médico, bem como para qualquer procedimento médico, por entender que o titular dos dados precisa ter a autonomia sobre aceitar ou não o procedimento bem como eventual compartilhamento de seus dados pessoais.

Contudo, é preciso ter claro que os tempos mudaram e o consentimento não é o único mecanismo para o controle de dados pessoais pelo seu titular. Na verdade, a LGPD prevê, no artigo 11, uma série de outras autorizações para tratamento de dados pessoais que, muito embora tenha o consentimento como protagonista para tratamento de dados sensíveis, a LGPD deixa ao controlador de dados pessoais a possibilidade de escolher a autorização legal mais adequada para a operação de tratamento de dados pessoais, que, no caso, pode ser a da Tutela da Saúde, prevista no artigo 11, f, da LGPD.

Assim, não se pode confundir a autonomia que o titular dos dados deve ter para ser submetido a um procedimento médico, como uma cirurgia que pode envolver risco demasiado à sua integridade física, com o poder de controle que a LGPD lhe confere sobre seus dados pessoais. Até mesmo a elegibilidade do titular para integrar qualquer programa de gestão de crônicos, considerando o alto índice de mortalidade por doenças crônicas no Brasil, na vigência da LGPD poderá ser feito sob a autorização da Tutela da Saúde. Isto porque, a regulação setorial deverá se harmonizar à LGPD, por ser aquela, norma hierarquicamente inferior.

Por fim, é preciso que as empresa da mesma forma entendam, que a maior liberdade que a LGPD lhes confere para tratar dados pessoais, não significa uma autorização para fazer o que bem entenderem com as informações, sem considerar o titular dos dados em suas decisões. É preciso cuidar para que haja maior grau de transparência, que haja evidências da segurança do tratamento dos dados pessoais e, como boa prática, haja a possibilidade do titular dos dados pessoais se recusar ao tratamento.

Referências:

https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor/sala-de-situacao>> Acessado em: 25.03.2020

A interpretação do artigo 11§5º da LGPD tratamos no artigo “Os impactos da MP 869/2018 para a área da saúde” disponível em:<<

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-impacto-da-mp-869-no-setor-da-saude/>> Acessado em 25.03.2020

http://www.blog.saude.gov.br/index.php/34861-57-4-milhoes-de-brasileiros-tem-pelo-menos-uma-doenca-cronica >> Acessado em: 25.03.2020

https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18318-piramide-etaria.html>> Acessado em: 25.03.2020

Portaria 467/2020 do Ministério da Saúde

Resolução CFM nº 1643/2002

http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Materiais_por_assunto/cartilha_promoprev_web.pdf. Acessado em: 25.03.2020

Art. 5º, II LGPD – Dado Sensívei: Dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTc5NQ==. Acessado em: 25.03.2020

Art. 5º, VI da LGPD – controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais;

LOTTENBERG, Claudio, SILVA, Patricia Elle, da, KLAJNER, Sidney. A REVOLUÇÃO DIGITAL NA SAÚDE. Como a Inteligência Artificial e a internet das coisas tornam o cuidado humano eficiente e sustentável. Editora dos Editores. São Paulo, 2019, pág. 102

* Diogo Silva Marzzoco é advogado da equipe de Proteção de Dados no Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.

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