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Gabriela Silveira Bueno*

Os desafios enfrentados para a prestação dos serviços do sistema de saúde são muitos. Equacionar demandas como o aumento da população de idosos e o crescimento de doenças crônicas, em sistema no qual os recursos financeiros são limitados e a burocracia envolvida na prestação dos serviços dificulta o uso racional e o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, é tarefa bastante árdua.

É nesse cenário que a utilização de tecnologias vem se consolidando como importante mecanismo de mudança na busca por sistema mais inteligente, humanizado e acessível, focado na melhoria da qualidade do atendimento dos pacientes e refletida nos resultados e na sustentabilidade do sistema de saúde.

Um dos mais importantes instrumentos que compõe a assistência e os cuidados em saúde é o prontuário médico. Esse documento é extremamente valioso, pois contém todos os registros clínicos do paciente, imputados pelos médicos e pelas equipes responsáveis, para fins diagnóstico e tratamento.

Com os avanços dos recursos tecnológicos, os chamados Prontuários Eletrônicos começaram a ser utilizados como versão digital dos prontuários em papel, frequentemente manipulados em hospitais, clínicas e consultórios médicos. A despeito da sua estrutura (física ou eletrônica), o prontuário sempre deverá observar as orientações e determinações da Resolução nº 1638/2002 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que define prontuário médico como “o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo”.

O prontuário eletrônico do paciente evoluiu para o conceito de Registro Eletrônico de Saúde (RES), que nada mais é que um repositório de informações a respeito da saúde dos indivíduos, armazenadas e transmitidas de forma segura e acessível por múltiplos usuários autorizados. A grande questão envolvendo a manipulação de informações constantes nos prontuários médicos é que existem diversos agentes envolvidos na prestação dos serviços de saúde, elevados números de sistemas heterogêneos de informação. Desse modo, a grande quantidade de dados que são coletados e processados, ainda que dispostas em sistemas padronizados, nem sempre está disponível de forma unificada. Assim, o prontuário médico – documento que acompanha o paciente em toda a sua jornada de cuidado – não é unificado ou disponível para acesso por todos os profissionais envolvidos na assistência à saúde de cada cidadão.

Nesse sentido, e em convergência com a estratégia deflagrada pelo Ministério da Saúde, por meio da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS), que visa garantir a qualidade, consistência e segurança dos dados produzidos, torna-se indispensável a adoção de prontuário eletrônico unificado (ou único) centrado no paciente, para fins de troca de informações entre os estabelecimentos de saúde públicos e privados, auxiliando no acompanhamento da saúde e do bem-estar do paciente, além de proporcionar outros inúmeros benefícios aos profissionais envolvidos na assistência e ao próprio sistema de saúde, principalmente quando associado a tecnologias como a Inteligência Artificial e a Internet das Coisas.

Além de maior acurácia, exatidão e legibilidade das informações, o prontuário unificado permite que o paciente ganhe economia de tempo e de burocracia, na medida em que ele não terá a incumbência de relatar seu histórico clínico todas as vezes em que se consultar com novos profissionais ou se submeter a novos procedimentos, evitando, inclusive, que sejam repetidos exames já realizados anteriormente. Assim, o paciente poderá receber cuidado personalizado e atenção integral, além de maior segurança no compartilhamento de suas informações, controle e gestão com relação àqueles que terão acesso ao seu prontuário.

O profissional da saúde, por sua vez, ao compartilhar as informações do paciente em prontuário eletrônico unificado, tem economia de espaço físico, por não ter que armazená-las em seus arquivos pessoais, facilitando o acesso e a disponibilidade destes dados. Dessa forma, o atendimento se torna mais ágil e a atualização da análise preditiva da situação do paciente ocorre em tempo real, ao passo que a disponibilidade de maiores informações para auxílio no diagnóstico e tratamento permite aumento da taxa de sucesso do atendimento.

Por fim, o sistema de saúde, que terá insumos para tornar mais racional a utilização dos recursos, permitindo melhor planejamento, controlando investimentos e evitando gastos desnecessários, como a realização de exames ou em duplicidade ou retirada inadequada de medicamentos, por exemplo.

Entretanto, existem ainda alguns desafios para o alcance dessa ferramenta no Brasil, entre eles a baixa interoperabilidade entre os sistemas, que é essencial para que haja o compartilhamento dos dados entre as diferentes instituições do sistema de saúde e, consequentemente, para a convergência de sistema unificado de informações de saúde. No país, a interoperabilidade ainda está bastante restrita em determinadas organizações e operadoras de rede própria.

Outra questão de suma importância e que deve ser observada com cautela em relação ao prontuário médico, é o fato de que tal documento reúne uma série de dados pessoais do paciente, a maioria deles considerados de caráter sensível pela Lei Geral de Proteção de Dados (“LGPD”- Lei Federal nº 13.709/2018), os quais deverão ser utilizados dentro das hipóteses autorizadoras estabelecidas pela legislação, apenas para finalidades legítimas e informadas ao paciente, e de forma alguma sendo tratados de maneira discriminatória ou abusiva, em prejuízo do titular dos dados pessoais.

Ao mesmo tempo, a LGPD deve ser entendida como importante instrumento de controle dos titulares sobre o tratamento dos seus dados pessoais, sendo fundamental que as organizações e os profissionais da saúde deem a devida transparência com relação às operações de tratamento de dados pessoais realizadas e as medidas de segurança adotadas para a proteção das informações, bem como garantam que os titulares possam exercer os seus direitos garantidos pelas leis e normas aplicáveis.

O prontuário médico é sigiloso e pertence exclusivamente ao paciente, de modo que o seu compartilhamento entre os profissionais da saúde deverá ocorrer sempre com todas as diligências necessárias para garantir a privacidade e proteção de dados pessoais do titular envolvido, sendo observadas também as normas e regulações setoriais já existentes e que versam sobre o tema.

É inegável, portanto, a importância da adoção de mecanismos que permitam o uso compartilhado de informações entre os profissionais da saúde, em especial a unificação dos registros das informações de saúde dos pacientes por meio do prontuário eletrônico único, tendo em vista os inúmeros benefícios que essa centralização proporciona, mas principalmente a eficácia e qualidade do tratamento, a melhoria da experiência do paciente e eficácia na aplicação de recursos (materiais e humanos). A consolidação das informações por meio de sistemas integrados possibilita, ainda, a análise de evidências médicas para antecipação dos diagnósticos por meio do big data e inteligência artificial, bem como o acesso a indicadores para fins epidemiológicos e estatísticos.

O prontuário unificado, a longo prazo, viabiliza a criação de políticas que incentivem a prevenção e o autocuidado, e a proposição de novos modelos de negócio, ampliando a qualidade de vida da população. Lembrando que para uso ético, adequado e lícito dos novos recursos e tecnologias que cada vez mais estão sendo utilizadas para a melhoria do sistema de saúde como um todo, a privacidade e a proteção de dados é componente fundamental, devendo ser perseguidas e garantidas por todos os profissionais envolvidos na assistência à saúde, de modo a proporcionar a garantia dos direitos fundamentais do paciente, a sua segurança, confiança e satisfação.

Referências:

https://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/livros/180413_desafios_da_nacao_artigos_vol2_cap26.pdf

https://portal.cfm.org.br/crmdigital/Cartilha_SBIS_CFM_Prontuario_Eletronico_fev_2012.pdf

http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1638_2002.htm

*Gabriela Silveira Bueno é advogada da equipe de Proteção de Dados do Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados.

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