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FONTE: Opice Blum Advogados Associados | por Pedro Nachbar Sanches*

Pouco conhecido para as pessoas que não fazem parte deste meio, os estudos clínicos são considerados como um dos mais importantes mecanismos no combate e prevenção de doenças, consistindo na realização de testes envolvendo seres humanos, que visam experimentar a eficácia, eficiência e segurança de novos medicamentos, vacinas e demais procedimentos da área da saúde.

Considerando a necessidade de participação de seres humanos para a sua eficácia, naturalmente estes estudos somente são realizados de maneira voluntária e formalmente autorizada, por meio da assinatura, pelo participante, do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual, segundo a Resolução 466 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), deverá dispor sobre todas os detalhes do estudo, as garantias determinadas aos participantes e os impactos consequentes.

Como um dos impactos consequentes aos participantes destes procedimentos, encontra-se a necessidade do tratamento de seus dados pessoais, incluindo por vezes, para além dos corriqueiros dados de cadastro (nome, RG, CPF, etc), os dados de saúde, incluindo mas não se limitando aos dados clínicos, condição física do participante, registro de confirmação de reações adversas a medicamentos, dentre outros.

A necessidade do tratamento de dados pessoais acende a preocupação com relação à confidencialidade destas informações, e, nesse sentido, a mencionada Resolução nº 466 do CNS traz, em seu artigo III.2.i, o dever de confidencialidade dos dados envolvidos em pesquisas:

“As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender aos fundamentos éticos e científicos pertinentes. III.2 As pesquisas, em qualquer área do conhecimento envolvendo seres humanos, deverão observar as seguintes exigências: (i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização dos participantes da pesquisa, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de autoestima, de prestígio e/ou de aspectos econômico-financeiros;” (g.n).

Corroborando com esta preocupação, o artigo IV.3 e) da já mencionada Resolução 466 do CNS, determina a obrigatoriedade do TCLE trazer disposições relacionadas à privacidade dos participantes:

“IV.3 – O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá conter, obrigatoriamente:(…) e) garantia de manutenção do sigilo e da privacidade dos participantes da pesquisa durante todas as fases da pesquisa;”

Nesse contexto, a chegada da Lei Federal nº 13.709 de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados ou “LGPD” não deve preocupar as instituições envolvidas nos estudos clínicos, vez que as disposições trazidas por esta nova legislação deverão alterar minimamente o procedimento já realizado atualmente, como veremos a seguir.

A LGPD entra em cena no cenário brasileiro após longo processo de debates e discussões, e, conforme apresentado em seu texto, visa, apresentar regras para o tratamento de dados pessoais, possibilitando que o indivíduo, titular destas informações, possa compreender (e permitir quando necessário) o tratamento de seus dados, determinando o limite da exposição de sua privacidade.

Para garantir os pontos acima mencionados, a LGPD estipula duas principais regras: sendo a primeira o dever de observar dez princípios para tratamento de dados; e a segunda a escolha de uma hipótese legal capaz de autorizar a realização de uma atividade de tratamento de dados pessoais.

Em relação aos princípios da LGPD, daremos maior enfoque, neste momento, ao da finalidade (o tratamento de dados deverá ser pautado em um objetivo claro); da necessidade (apenas poderão ser coletados os dados pessoais estritamente necessários para o objetivo determinado); e da transparência (o objetivo determinado deverá ser transparente ao titular destas informações).

Quanto às hipóteses legais para o tratamento de dados, mais conhecidas como bases legais, dadas as exigências da Resolução 466 do CNS, destacamos a que mais se enquadra no procedimento de estudos clínicos, o chamado consentimento, entendido como declaração livre, inequívoca e informada por meio da qual o indivíduo autoriza o tratamento de seus dados pessoais, podendo também revogar esta autorização, hipótese em que toda a atividade de tratamento suportada por aquele consentimento deverá ser imediatamente cessada.

De igual modo, o já mencionado TCLE, introduzido pela Resolução 466 do CNS, também deverá prever a possibilidade de sua revogação pelo participante do estudo:

“IV.3 – O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deverá conter, obrigatoriamente: d) garantia de plena liberdade ao participante da pesquisa, de recusar-se a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma;”

Assim, é por meio do TCLE que os agentes dos estudos clínicos deverão trazer disposições específicas sobre o respeito à privacidade dos indivíduos envolvidos, apresentando em linguagem clara e objetiva, as informações determinadas pelo artigo 9º da LGPD, dentre as quais destacamos:

A finalidade específica do tratamento (objetivo);

A forma e a duração do tratamento (como serão tratados os dados pessoais e por qual período);

Responsabilidades dos agentes envolvidos no estudo clínico; e

Direitos dos titulares (rol de direitos apresentados pela LGPD, incluindo o direito de revogar o consentimento coletado).

Ainda por meio do TCLE, as instituições envolvidas no estudo clínico deverão coletar a autorização do participante para o tratamento de seus dados pessoais no limite dos objetivos determinados para a realização do estudo. Recomenda-se que esta autorização seja coletada de forma destacada das demais autorizações, garantindo plena visibilidade e transparência ao participante da pesquisa.

Sem maiores delongas, compreendemos que, de forma natural, o tema de estudos clínicos já tinha, como um de seus princípios, a proteção da privacidade, e, com a chegada da LGPD, esta preocupação ganhará reforço ainda maior, sem que para isso sejam necessárias grandes adaptações no procedimento já realizado atualmente.

*Pedro Nachbar Sanches é advogado da equipe de Proteção de Dados do Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados

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